- Administração de Empresas
Pesquisa mostra que a maioria dos brasileiros apoia dar visibilidade aos salários

A Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP) e o Talenses Group com apoio da Talent.com desenvolveu uma pesquisa inédita com o objetivo de mostrar que a maioria dos brasileiros apoia a visibilidade aos salários, pois serviria para combater a desigualdade salarial entre homens e mulheres. O estudo foi conduzido por Paul Ferreira, diretor do Mestrado Executivo em Administração (MPA) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP) Luiz Valente, CEO do Talenses Group e Tiago Molon, sócio proprietário da Besse.
Transparência salarial não é assunto novo, ainda mais se olharmos para fora do Brasil. No Canadá, pioneiro do tema, há leis a respeito desde 1996. Nos Estados Unidos, a legislação protege desde 2004 quem decide perguntar o salário de colegas. Em 2023, leis semelhantes à canadense entraram em vigor nos estados da Califórnia e de Washington, alguns anos depois de Colorado e Nova York.
Quais os efeitos práticos da medida?
Um estudo conduzido por economistas da University of Toronto encontrou evidências de que a lei reduziu a disparidade de salários entre homens e mulheres em 30%. O problema é que o nivelamento ocorreu muitas vezes por baixo: o salário médio dos profissionais analisados na pesquisa (professores universitários) caiu. Maior transparência salarial é um desejo recorrente em vários países, mas não se sabe se as consequências serão sempre positivas.
No Brasil, país extremamente diverso, a discussão sobre a abertura de ganhos individuais vem atrelada não só à desigualdade de gênero como também à falta de oportunidades para grupos minorizados no ambiente de trabalho. O Projeto de Lei 1149/22, do deputado Alexandre Frota, está em trâmite no Congresso. Seu objetivo é tornar obrigatório que os empregadores divulguem a faixa salarial e os requisitos necessários para o preenchimento de vagas em oferta.
Brasileiros querem mais transparência
Em nossa pesquisa sobre transparência salarial, apenas 5% dos entrevistados se mostraram contrários ao projeto. O apoio foi massivo entre mulheres e homens, de diferentes gerações e em todas as regiões do País. Isso provavelmente reflete uma percepção majoritária: 75% dos respondentes não acreditam que as empresas sejam transparentes sobre salário e defendem que aparelhos legais deveriam impor a divulgação dos pagamentos em uma vaga de emprego.
O conceito de discriminação salarial diz respeito a situações em que dois ou mais indivíduos com as mesmas características produtivas (experiência de trabalho e capacidade técnica) realizam trabalhos semelhantes e são remunerados de forma diferente. Nossa pesquisa revelou que 61% das mulheres já sofreram essa discriminação, enquanto a taxa entre homens é de 49%. O desequilíbrio também se estende a grupos minoritários, reforçando a importância de mecanismos que promovam a igualdade e a justiça salarial. Portanto, a transparência de ganhos é ferramenta fundamental na busca por uma sociedade mais justa e equitativa.
A redução de disparidade de gênero é vista como a consequência mais direta da medida. No Brasil, segundo o IBGE, uma mulher ganha 78% dos rendimentos de um homem. Mulheres pretas ou pardas recebem apenas 46% do que homens brancos. É uma situação que jamais foi boa, mas que piorou na última década: em 2013, o Brasil era o 62º país com a maior desigualdade de gênero, segundo o Fórum Econômico Mundial. Em 2022, caiu para 94º, em uma lista com 146 países.
É um debate quente e universal. A maioria dos programas governamentais nesse contexto direciona a atenção especialmente para a questão da desigualdade salarial entre gêneros. Recentemente, a União Europeia emitiu uma diretiva instando os países-membros a estabelecerem mecanismos que reduzam a disparidade salarial entre homens e mulheres. Não é por falta de legislação. Segundo o Banco Mundial, 97 países têm leis específicas a respeito da paridade salarial.
Desafios e complexidades
Reduzir a disparidade é urgente, e a maioria dos entrevistados acredita que a lei será útil para isso. Mas não só. Eles também creem que outros segmentos possam ser beneficiados, como grupos minoritários ou jovens. Outra melhoria estaria nas próprias candidaturas a vagas de emprego, que seriam mais honestas. Mas é uma questão complexa, em que nem tudo fica mais transparente. Na Alemanha, desde 2017 as empresas com mais de 500 funcionários são obrigadas a publicar periodicamente as diferenças salariais entre gêneros. A lei foi pouco efetiva, porque mesmo com esses dados era difícil uma pessoa comprovar, diante de um juiz, que sofreu discriminação salarial. Então, em 2021, os tribunais passaram a atribuir às empresas o peso de comprovar que os funcionários que entraram com processo não são vítimas de discriminação salarial. No Canadá, uma nova lei, promulgada em 2021, proíbe as empresas de perguntar sobre histórico salarial de candidatos, pune empregados que discutirem seus salários entre si no ambiente de trabalho e, por outro lado, obriga a divulgação de salários juntamente com as vagas de emprego. A ideia é que as organizações não baseiem o salário de um possível novo funcionário no quanto ele ganhava em outros empregos, o que lhes daria mais poderes para pagar menos. Já colegas não podem discutir sobre salário no ambiente de trabalho porque isso criaria um ambiente tóxico.
Essa complexidade se reflete nas possíveis consequências que os próprios entrevistados enxergam. Mais de 50% deles concordam que a transparência salarial é uma prática positiva e fundamental, mas eles entendem que isso pode trazer alguns empecilhos. Funcionários que se sentem injustiçados ao ver a remuneração de colegas tendem a diminuir sua produtividade. Um estudo divulgado pelo National Bureau of Economic Research, dos EUA, diz que conversas sobre aumento salarial ficariam mais engessadas, e a favor do empregador, porque as empresas tenderiam a usar o argumento das “mãos atadas”, ou seja, se negociassem com um funcionário, teriam de negociar com todos.
Existem dúvidas válidas sobre a implementação da transparência salarial, como ela será feita e o que significará, por exemplo, quanto a rendas diferentes, entre outros critérios. As pessoas parecem esperar aumento de remuneração, mas não seria algo para todos. Dependendo de como for feito, como indicado pelos estudos no exterior, uma redução salarial pode ser a nova realidade. Será que todo mundo está pronto para isso?
Em todo caso, a falta de transparência se tornou algo cultural do ambiente de trabalho. Ao serem indagados se ficariam confortáveis para falar sobre salário com os colegas, apenas 30% dos entrevistados disseram que sim. Entre amigos e família, mesmo existindo alguma resistência, as pessoas se demonstram mais abertas. Por quê? Existem alguns motivos.
Hierarquia
Ao analisar a resistência ou a facilidade em discutir o salário no ambiente de trabalho, percebemos uma tendência. Funcionários da base são os mais confortáveis: apenas 20% discordam da ideia, enquanto os gerentes demonstram maior nível de desconforto, com 32%. Esse fenômeno provavelmente reflete o receio dos gerentes de que a divulgação de salários possa afetar o ambiente de trabalho. Não ocorre com a alta liderança, que não lida diretamente com os colaboradores e, portanto, tem menos inibição em mostrar os salários. Logo, a hierarquia é um dos desafios a se enfrentar. Líderes devem ser proativos com potenciais receios, inquietações e frustrações que surjam no processo.
Renda
Quando se observa a discussão de salários e o próprio nível salarial, fica claro que existe uma relação. Aqueles que estão na faixa acima de R$ 35 mil e os que sobrevivem com um salário mínimo (R$ 1.320) são os que se sentem mais desconfortáveis em compartilhar. Os que ficariam menos desconfortáveis são justamente os que estão no meio dos sete níveis analisados, com salários entre R$ 5 mil e R$ 10 mil mensais. É simples de entender. Provavelmente aqueles mais perto do salário mínimo não gostam de se comparar aos colegas que ganham mais, assim como os que estão no topo da pirâmide têm receio do incômodo que podem gerar entre colegas e subalternos.