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Refletir para transformar – Evento na FGV EAESP promove espaço de diálogo sobre a diversidade racial

Em homenagem ao mês da Consciência Negra, comunidade FGVniana se reúne em uma noite rica em trocas de experiências e saberes. Acompanhe como foi o encontro
Por Iamara Caroline, estagiária de jornalismo do Alumni FGV EAESP
O Salão Nobre da FGV EAESP recebeu dia 22 de novembro, diversas lideranças negras dentro do universo da administração e do direito. A proposta do evento “Reflexões e práticas sobre diversidade racial no universo da administração e direito”, foi a promoção de diálogos em quatro painéis onde os participantes responderam a uma pergunta norteadora. Dentro das respostas os participantes compartilharam suas trajetórias pessoais, acadêmicas e profissionais, além de dados relevantes sobre a ascensão dos negros e negras no mercado de trabalho e em cargos de liderança.
Dentre as reflexões, os convidados abordaram os impactos do racismo estrutural e a importância de uma educação antirracista, perpassando pela conscientização dos alunos, de forma a transformar positivamente a sociedade e a empregabilidade. As preocupações passam pelo acesso dos alunos de baixa renda, e por consequência de maioria negra, ao ensino superior, assim como a permanência deste grupo dentro das instituições de ensino superior e sua integração no mercado de trabalho. O evento contou com a abertura do vice-diretor Tales Andreassi, da Coordenadora do Alumni FGV EAESP Camila Figueiredo (CGAP 1998) e do Secretário Executivo do Comitê de Diversidade e Inclusão da FGV, Thiago Thobias (MPGPP 2020).
Antirracistas na Administração e no Direito
Os painéis iniciam com a fala da Profa. Alessandra Benedito da FGV Direito, trazendo as consequências da ausência de uma educação antirracista no universo do direito. Na ausência desse letramento racial há risco de profissionais reproduzirem, por meio do uso da norma, o preconceito e discriminação. Isso se dá através de julgamentos injustos, criação de teses e micro agressões, onde o racismo velado esbarra nos limites da lei tão somente pelo medo das consequências. A professora abordou também a necessidade da divulgação de programas de bolsa, manutenção desses alunos e preparo deles e das empresas para sua chegada ao mercado de trabalho.
Passada a palavra para o professor da FGV EAESP e sociólogo Márcio Macedo, ele inicia com a afirmação: “Fazer uma discussão sobre diversidade racial é fazer uma discussão sobre poder”. Segundo Macedo a diversidade traz benefícios significativos ao ambiente coorporativo e acadêmico. E dentro das universidades, esse diálogo voltado para uma educação antirracista, deve ser iniciado pelos docentes, como por exemplo, na diversidade na escolha das bibliografias indicadas. Atualmente a atenção recai ainda sobre os clássicos, produzidos em sua maioria por homens caucasianos. Segundo ele, carinhosamente chamado de Kibe pela comunidade, a luta antirracista é um problema de todos e diz diretamente sobre a democracia.
Abordando um conceito de equidade, “uma justiça melhor”, o sociólogo trouxe o mito do Brasil como democracia racial. Apesar do senso comum, há mais de 50 anos diversos estudos sociológicos já desconstruíram essa crença. “A gente começa a olhar do ponto de vista do quanto as organizações perdem quando não são diversas. Quando elas não incluem negros, negras, mulheres, PcDs, membros da comunidade LGBTQIA+”. Ele enxerga a criatividade presente na forma como essas populações lidam com a subordinação. Ilustrando sua fala com o time vencedor da Copa de 1958, para Macedo a diversidade agrega, enriquece e como no time liderado por Pelé, faz o nosso país vencedor.
Uma Maratona Acadêmica
O segundo painel trouxe alunos e ex-alunos bolsistas da instituição. Eles apontam os coletivos e o cursinho pré-vestibular como fundamentais para sua presença e acolhida na FGV EAESP. Entre os alunos negros, o grupo cita como lida com dinâmicas de poder dentro de espaços de maioria branca. Para Gabriel Domingues (CGAP 2023), primeiro presidente negro do DAGV, situações onde se é a minoria dentro dos espaços, vendo grande parte de seus pares em cargos de base, incentivam os alunos a desejarem o papel de “referência”. O pioneirismo em determinados espaços não é algo atual. As mulheres também vivenciaram no século passado diversas questões em um mercado de trabalho de maioria masculina.
O papel de liderança é permeado por dúvidas e obstáculos. Na visão dos bolsistas, a cobrança sobre eles é maior. Entre as adversidades eles citam os percalços para a ocupação e permanência no espaço universitário, somados ao desempenho acadêmico – essencial para a manutenção do benefício. Essas realidades também podem ser atravessadas por desigualdades inerentes e até sobrepostas do recorte socioeconômico e étnico. Oriundos da periferia, as rotinas encontram pontos em comum no sustento do lar, a preparação do próprio alimento, a contenção de gastos, muitas horas dentro do transporte público e a manutenção do desempenho acadêmico. Esse último item é essencial para sua permanência e um futuro promissor, apesar de disporem de poucas horas livres para estudo.
Eduardo Silva (CGAE 2024), representante do Coletivo Plutão e responsável pela acolhida dos bolsistas na FGV, trouxe o recorte do atrelamento da questão racial com a vulnerabilidade socioeconômica. Ele reforça os impactos positivos de ser um GVniano, tanto em sua vida pessoal, como das pessoas ao seu redor. Entre as soluções o aluno frisa o quanto o acesso às informações para obtenção dos benefícios é essencial, facilitando a vida dos recém-chegados.
Todos concordam que o não pagamento de mensalidade não é o único ponto para a permanência desses alunos, se fazendo necessária uma escuta sobre as dificuldades enfrentadas para a presença deste grupo nos espaços da Instituição. Já para Tatiane Guimarães (CGAP 2022) o sentimento é de um “pagamento de imposto duplo”, pois ela se sente absorvida por diferentes demandas, além dos estudos.
Diversidade nas Lideranças
No terceiro painel ouvimos a ex-aluna da FGV, Rachel Maia. Empresária e conselheira de administrativa da Vale, Banco do Brasil e CVC, Rachel concorda com o dever das empresas de cruzar pontes e irem até as periferias “para encontrar talentos brutos”. Apesar disso ela defende um não contentamento com o estágio atual do candidato. “O investimento na capacitação dos talentos que não são oriundos das mesmas universidades, que (não) vem com os mesmos skills, devem ser vistos como inovação (...) uma sala de origens distintas, é isso que eu tenho que trazer para dentro da minha empresa”. Ela também citou a importância da identificação de aliados, pessoas não negras dispostas a abrir portas.
Entre os convidados, Carlos Domingues (MBA 2017), líder desta agenda na PepsiCo, falou sobre a jornada das transformações no ambiente corporativo. Em seu ponto de vista, o primordial passa por “entender o Brasil”.
“Empresas pensam que o Brasil é um país branco, mas ele é um país negro” e essa percepção é afetada pela existência de “bolhas” no dia a dia da população. Apesar de 56% dos brasileiros serem pretos e pardos, diversos espaços não testificam essa realidade. Domingues prossegue enfatizando o estudo da história do nosso país, aliado ao “teste do pescoço” e uma análise de dados. “Muitas corporações têm 50% do seu quadro negro, mas em que setores essas pessoas estão trabalhando?”
Como o tema da diversidade foi negligenciado no Brasil, ele afirma que se as empresas não olharem para isso, elas não terão futuro. “Sair do conceito elitizado nos faz parar de procurar (somente) pessoas iguais a nós”. Com um olhar para os processos é possível ver o quanto eles excluem ao invés incluir, como a exigência de faculdades elitizadas e inglês fluente, habilidade conquistada por somente 5% da população brasileira e tantas vezes subutilizada ambiente corporativo.
Passando a palavra ao sociólogo Helton Souto (MPGPP 2017), do Instituto DaCor, o debate questionou a ideia de trazer pessoas negras para as organizações visando somente trazer inovação, como solucionadoras de problemas. Souto defende a inclusão pela potência dessas pessoas e valorização da visão de mundo diferente da norma. Com um trabalho pautado em dados, ele fala de mudanças simples, como a inclusão de pessoas saídas de diversas instituições e ampliação do número de pessoas na equipe. “Um jovem de classe média, branco, homem, que mora com os pais, ele receber um salário X, é uma coisa... Uma jovem negra, da mesma idade, com a mesma formação, que tem talvez um filho e que more sozinha, ela não pode receber X. Ela tem que receber X mais Y. Têm políticas que são de diferenciação que a gente precisa olhar...”.
Em diversos momentos os convidados reforçaram o uso do simples e do cotidiano na vivência antirracista. Citando noções da realidade brasileira, onde por exemplo, a maioria das pessoas não podem bancar R$150,00 a cada refeição. Muitos estudantes e profissionais entram em processos de exclusão e descolamento dos grupos pois as escolhas da maioria “não cabem no bolso”. Existe também a inclusão nas rodas de conversas, não partindo da premissa de que todos os brasileiros, por exemplo, tiveram a oportunidade de viajar para o exterior.
Sobre sonhar e ser sonhado
Abordando as instituições e o que elas estão fazendo, o evento trouxe Camila Novais, formada em Relações Públicas pela UNESP, Havard e atualmente aluna do OneMBA na FGV. Atuando dentro da Visa, a profissional fez uma provocação comparando seus 23 anos de carreira até acessar a cadeira da diretoria, com a ascensão de pessoas não negras, obtendo o mesmo resultado em muito menos tempo. A parceria FGV e Visa desenhou um programa de bolsas, onde cada instituição subsidia 50% dos estudos dos alunos. Esse benefício é somado a uma ajuda de custo e a um curso de inglês. Objetivando encurtar barreiras para as próximas gerações e muitas vezes assumindo diversos papéis, Camila se emocionou ao encontrar Luanda Ferraz (CGAP 2025), diretora de integração do DAGV, e aluna atendida por esse projeto.
Luanda como bolsista pela Visa, se coloca como concretização de todas as ações afirmativas abordadas durante o encontro. Iniciando sua janela de oportunidade na Fundação Bradesco, a aluna cita o impacto dessa instituição em seu bairro. A chegada da escola impactou do comércio ao asfalto do bairro periférico de onde vem a aluna. Com a parecia entre a Fundação Bradesco e a FGV, Luanda teve acesso ao cursinho da FGV. “Eu comecei a ser sonhada” – ela fala com um sorriso largo sobre a oportunidade de sonhar com uma graduação pela primeira vez. Ela é fruto das políticas de permanência dos alunos e frisa a importância do diálogo com a Visa e acompanhamento de sua caminhada.
Finalizando o evento, o Prof. Márcio Macedo reforça a importância da convivência entre os mais diversos grupos e a necessidade do conhecimento do nosso país. Solidariedade interclasse, entre gêneros e orientações diferentes. Para ele a relação igualitária e equânime serão as pontes para o crescimento do Brasil e respeito internacional da nação. “Não é uma discussão sobre negros e brancos, pobres e rico, homens e mulheres, mas é sobre relação”. Relação de transformar essa realidade extremamente desigual que a gente ainda vive. As fotos do evento podem ser encontradas aqui.