- Sustentabilidade
Encontro de Mulheres da BR-319 destaca o papel das lideranças femininas na proteção de direitos e na promoção do acesso a políticas públicas na região








Pelo menos desde 1997 há um grupo de mulheres liderando iniciativas para ampliar o acesso da população a políticas públicas, melhorar a qualidade de vida e garantir o cumprimento de direitos na região de influência da BR-319, rodovia que atravessa a Amazônia e liga Porto Velho (RO) e Manaus (AM).
Esse trabalho começou com ações para fortalecer a agricultura familiar, as populações tradicionais, as comunidades e associações, e pouco a pouco, foi incorporando outras pautas.
As demandas diretas e indiretas foram organizadas, a articulação entre as pessoas pela conquista dessas necessidades se fortaleceu e o entendimento de que era preciso ter incidência política para avançar se tornou evidente, conta Dioneia Ferreira, articuladora da Rede Transdisciplinar da Amazônia (Reta) e pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVces).
O resgate dessa linha do tempo aconteceu no V Encontro de Mulheres da BR-319, realizado pelo FGVces e pela Reta no município de Careiro, localizado a aproximadamente 200 km de Manaus.
Ao longo de dois dias, dezenas de pessoas se reuniram para rememorar e reconhecer o papel de algumas lideranças, grande parte delas mulheres, no processo de desenvolvimento do território, e, a partir disso, pensar nos próximos passos dessa jornada, que tem no horizonte um grandioso projeto de infraestrutura: a pavimentação do chamado trecho do meio da BR-319.
Pensar o futuro do território e viabilizar meios para que este e outros projetos incorporem os ideais de desenvolvimento das pessoas que habitam a região e ainda garanta a proteção dos direitos sociais, territoriais e econômicos das populações locais, tradicionais e indígenas, está justamente no foco do projeto "Promovendo governança e transparência na região da BR-319", realizado pelo FGVces com a apoio da Moore Foundation.
A iniciativa está na segunda fase e representa um desdobramento do processo de construção da 'Agenda de Desenvolvimento Territorial para a Região da BR-319: construindo territórios de bem viver', que, além de embasar todas as iniciativas do projeto em 2022, servirá de instrumento de diálogo e luta para as pessoas e organizações do território, destacou Jolemia Chagas, professora da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), articuladora da Reta e pesquisadora do FGVces.
"Essa Agenda é composta por 13 eixos e cada um deles traz o que precisa de melhorias, o porquê dos problemas e as ações necessárias para atender às demandas. Esse instrumento, construído de forma muito inovadora, representa um ponto de virada na nossa luta", acrescentou. Leia mais aqui sobre a ADT aqui.
Linha do tempo colaborativa
O resgate das ações que foram fundamentais para a melhoria das condições de vida e trabalho das pessoas que habitam o território foi feito a muitas mãos com a participação de mulheres de norte a sul da BR-319.
Astéria Tavares, Ana Hipi, Renata Cortez, Nilcinha de Jesus Amaral Ferreira, Marli Gomes e Edilise Costa foram algumas das que participaram, dentre tantas outras de Careiro, de Igapó-Açu, Manicoré e Humaitá, os territórios-chave do projeto.
"Tudo o que a gente conquistou foi com luta. Se chegou luz elétrica aqui, se tivemos projeto de reforma agrária, foi porque nós fomos atrás. Conquistamos com o grito da terra", destacou Marli Gomes, fundadora de uma associação comunitária no Alto Rio Negro e ex-sindicalista.
A formação do projeto "Pé de Pincha", voltado para a conservação comunitária das populações de quelônios; a fundação da organização não governamental Casa do Rio; a criação das Promotoras Legais Populares e, posteriormente, do coletivo Divas da Floresta, ambos focados na proteção dos direitos das mulheres e em questões de equidade de gênero; a parceria com o Ministério Público Federal; a chegada da equipe de pesquisa do FGVces à região e a realização da 1ª Feira de Empreendedorismo Feminino na região foram algumas das ações narradas pelas participantes, bem como a formação da própria Reta (Rede Transdisciplinar do Amazonas), formada por coletivos, organizações comunitárias, movimentos sociais, instituições governamentais e não governamentais que estão ao longo da BR-319.
Próximos passos
De maneira ampla, os próximos passos são criar condições para que as ações apontadas na ADT sejam implementadas. Mas há dois componentes que se destacam no curto prazo, informa Letícia Artuso, gestora de projetos do FGVces.
O primeiro deles é retomar o ‘Fórum permanente de discussão sobre o processo de reabertura da rodovia BR-319’, liderado por Rafael Rocha, procurador do Ministério Público Federal (MPF) com a finalidade de discutir de maneira participativa o licenciamento ambiental da rodovia e o planejamento de salvaguardas e políticas públicas para a proteção territorial.
Já o segundo ponto diz respeito à criação de um instrumento financeiro para tornar possível as ações listadas da ADT via captação de recursos. "Os grandes projetos sempre vêm acompanhados de pressões nos territórios. Nesse contexto, a captação de recursos para viabilizar inciativas sustentáveis, conectadas aos modos de vida local, se mostra fundamental", ressaltou.
A ADT será usada como base para a construção do instrumento, que ainda está em fase inicial de planejamento, e novas rodadas de discussões com as comunidades estão previstas ao longo desse processo.
Feirinha do conhecimento
O V Encontro de Mulheres da BR-319 também foi marcado pela realização de uma espécie de feirinha do conhecimento. Foram montadas cinco ‘barracas’ e em cada uma delas havia uma dupla de pesquisadores apresentando informações, esclarecendo dúvidas e conversando sobre temáticas como acesso a políticas sociais, proteção ambiental e territorial e defesa dos modos de vida.